A comercialização varejista de energia elétrica tem experimentado uma transformação significativa, particularmente após as mudanças introduzidas pela Resolução Normativa ANEEL n. 1.081, de 12 de dezembro de 2023, que alterou diversos pontos da Resolução Normativa n. 1.011/2022, e da expectativa criada pela abertura do mercado livre para consumidores do grupo A (alta tensão). Essas alterações estabeleceram um novo paradigma na representação de consumidores e produtores de energia, introduzindo uma maior flexibilidade e abrindo portas para um mercado mais dinâmico e competitivo. No entanto, existem riscos próprios da comercialização varejista e de seus requisitos e outros atrelados ao mercado que requerem maior atenção do empreendedor.
Para melhor situá-lo, o objetivo do presente artigo é analisar as principais normas abarcadas pelas Resoluções Normativas n. 1.081/2023 e n. 1.011/2022 e trazer aquelas disposições cujos conceitos e premissas são extremamente importantes para a compreensão acerca da comercialização varejista. Neste texto, vamos concentrar os aspectos mais importantes e práticos da normativa estabelecida pela ANEEL e CCEE, desde os requisitos básicos da comercialização varejista, sua caracterização e pertinência, até os critérios de responsabilização dos respectivos agentes.
A ideia é aprofundarmos “no detalhe” as normas relevantes e refletirmos acerca dos riscos envolvidos na operação do comercializador varejista – assunto que tem ganhado força em razão da abertura do mercado livre neste início de 2024.
Pois bem. Iniciando do básico, sabemos que a atividade de comercialização de energia elétrica compreende a compra e venda de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN) e que os agentes comercializadores podem ser classificados de duas maneiras: i) tipo 1, que são os comercializadores sem limitação para registro de montantes de venda no Sistema de Contabilização e Liquidação da CCEE; e ii) tipo 2, que são os comercializadores sujeitos a limitação para registro de até 30 MWmédios em montantes de venda mensais totais no referido sistema (art. 2º da RN 1.011/2022, alterado pela RN 1.014/2022). Em outros termos, os comercializadores do tipo 1 podem negociar volumes de energia sem restrição de quantidade dentro do sistema.
Cumpre mencionar que a prestação exclusiva de serviços de treinamento, diagnóstico, formulação de soluções, consultoria, assessoria ou congêneres não se caracterizam como atividade de comercialização (parágrafo único do art. 2º da RN 1.011/2022).
Em continuidade, a atividade de comercialização de energia elétrica “somente poderá ser exercida após a obtenção da autorização na ANEEL e subsequente adesão à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE” (art. 3º da RN 1.011/2022).
Quais seriam os requisitos básicos para obtenção da referida autorização perante a ANEEL?
Podemos classificar esses requisitos em dois grandes blocos: i) os gerais; e ii) os específicos, conforme o grau de exigência e de potenciais dificuldades a serem enfrentadas pelo empreendedor solicitante. Para melhor compreensão, especificamos os requisitos na tabela abaixo e destacamos seus principais pontos:
Requisitos gerais | Requisitos específicos |
Objeto social da pessoa jurídica deve apresentar designação específica para exercer tal atividade | Capital social integralizado de, no mínimo, R$2.000.000,00 (dois milhões de reais), atualizados monetariamente. (RN n. 1.014/2022). Atualmente, para 2024, conforme os Procedimentos de Comercialização da CCEE, o valor do capital social integralizado mínimo é de R$2.122.320,80. O índice de atualização utilizado pela CCEE é o IPCA |
A sede social da pessoa jurídica deve constar em endereço comercial, devidamente comprovada por meio de contrato de locação ou documento válido para o mesmo fim (RN n. 1.014/2022) | Parecer da CCEE indicativo, conclusivo e não vinculante à ANEEL, com análise técnica e jurídica da potencial comercializadora. Inclui-se no parecer a avaliação dos solicitantes em relação à participação em outras comercializadoras e de eventuais débitos de agentes ou ex-agentes que sejam do mesmo grupo econômicos dos solicitantes. (RN n. 1.014/2022). Ainda, a CCEE poderá apontar outros detalhes que, se não atendidos, poderão ser considerados como prejudiciais à atividade de comercialização e como requisitos não cumpridos para a obtenção da autorização. A emissão do parecer é condicionada à quitação ou caucionamento de todos os débitos deixados por outra empresa atrelada societariamente (direta ou indiretamente) à nova solicitante.Prazo: o parecer deverá ser enviado pela CCEE à ANEEL e ao candidato a agente em até 10 dias após o recebimento de todos os documentos necessários, com validade mínima por mais 20 dias, sem prejuízo de análises complementares pela CCEE durante o processo de adesão (RN n. 1.014/2022) |
O nome empresarial não pode ser suscetível de causar confusão ou associação com o de outro agente já autorizado e que não seja integrante do mesmo grupo econômico. Neste caso, aplicam-se subsidiariamente as normas que regem o Registro Público de Empresas Mercantis (RN n. 1.014/2022) | Comprovação de aptidão para desempenho de atividade de comercialização, o que inclui comprovação de Estrutura Técnico-Operacional, Comercial e Financeira (inventário de bens) adequada e disponível, bem como qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos (RN n. 1.014/2022) |
Comprovação do adimplemento intrassetorial dos sócios e acionistas controladores diretos ou indiretos (RN n. 1.014/2022). O cumprimento deste requisito é verificado mediante consulta de ofício aos sistemas de informação da ANEEL. | Para classificação como comercializadora do tipo 1: apresentação à CCEE de patrimônio líquido de, no mínimo, R$10.000.000,00 (dez milhões de reais) (RN n. 1.014/2022). Atualmente, para 2024, conforme os Procedimentos de Comercialização da CCEE, o valor atualizado de patrimônio líquido mínimo a ser atendido pelos agentes é de R$10.611.604,00. O índice de atualização utilizado pela CCEE é o IPCA. ATENÇÃO: os associados já habilitados como comercializador varejista devem enviar balanço que comprove o patrimônio compatível até 30.04.24, de forma a preservarem a habilitação. |
Comprovação da regularidade jurídica, da regularidade fiscal e da idoneidade econômico- financeira (RN n. 1.014/2022). Entre os critérios de análise e documentos necessários ao cumprimento deste requisito, destacamos a necessidade de apresentação: i) de antecedentes criminais dos sócios diretos pessoas físicas; ii) de certidão emitida pela CCEE, atestando que a pessoa jurídica e seus respectivos sócios e/ou acionistas não possuem participação direta ou indireta em agente da CCEE que esteja em monitoramento em razão de conduta anômala ou em processo de desligamento; iii) de declarações e documentos que demonstrem que os integrantes do grupo de controle detêm conhecimento sobre o ramo de negócio e sobre o segmento em que o solicitante pretende operar, inclusive sobre os aspectos relacionados à dinâmica de mercado, às fontes de recursos operacionais, ao gerenciamento e aos riscos associados à operação. |
Ainda acerca do requisito específico de comprovação da regularidade jurídica, fiscal e da idoneidade econômico-financeira, cumpre elencar os demais documentos que devem ser apresentados pelo solicitante: i) cópia autenticada do estatuto ou do contrato social atual, devidamente registrado no órgão competente; ii) cópia autenticada de eventual acordo de acionistas ou cotistas e dos demais negócios jurídicos que impactem o controle societário; iii) diagrama do grupo econômico, com: iii.a) a indicação dos percentuais das participações societárias das controladas, controladoras, coligadas e simples participações, acompanhada dos nomes empresariais das sociedades envolvidas no controle direto, intermediário e indireto; iii.b) a apresentação das participações diretas e indiretas no capital social até seu último nível, inclusive minoritário; iii.c) a dispensa da apresentação de participação inferior a 5%, salvo se integrante do grupo de controle; iii.d) identificação das pessoas naturais e jurídicas que compõem o grupo econômico do qual fará parte a solicitante e que possam vir a exercer influência direta ou indireta nos seus negócios (RN n. 1.014/2022); iv) certidão emitida pela CCEE atestando que a pessoa jurídica requerente e seus respectivos sócios e/ou acionistas pessoas físicas ou jurídicas, assim como os sócios e/ou os acionistas direta ou indiretamente integrantes de seu respectivo grupo econômico não possuem, na data de solicitação, inadimplências no âmbito da CCEE; v) cópia simples do cartão de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ; do cartão de inscrição no Cadastro de Contribuinte Estadual; e do cartão de inscrição no Cadastro de Contribuinte Municipal, quando existir; vi) certidões que comprovem a regularidade fiscal nas esferas federal, estadual e municipal (RN n. 1.014/2022); vii) certidão negativa de falência, recuperação judicial e extrajudicial da pessoa jurídica requerente e de seus sócios e acionistas diretos e indiretos, bem assim de insolvência civil, quando se tratar de sócio ou acionista pessoa física (RN n. 1.014/2022); viii) balanço patrimonial auditado por empresa reconhecida, quando aplicável, e demonstrações contábeis desde a criação da pessoa jurídica, limitada aos três últimos exercícios financeiros (RN n. 1.014/2022); ix) certidão de antecedentes criminais dos sócios diretos pessoas físicas (RN n. 1.014/2022).
Cumpre ressaltar que a ANEEL poderá determinar, a qualquer tempo e “a bem do interesse público”, a apresentação de outros documentos não constantes da RN 1.011/2022. É evidente que, diante do extenso rol de documentos e de requisitos a serem cumpridos pela empresa candidata à comercializadora de energia, a ANEEL teria – e por vezes é – que ser criativa para postular outras exigências.
O comercializador que obter a autorização deve, em até 90 dias, aderir à CCEE e permanecer associado enquanto a autorização permanecer vigente. Além disso, deve observar o disposto nas normas setoriais, bem como nas instruções e determinações expedidas pela ANEEL ou pelo Poder Concedente. A Resolução Normativa n. 1.011/2022 ainda elenca três possibilidades que podem ensejar a revogação da autorização: i) a simulação do exercício da atividade de comercialização; ii) a impossibilidade de o agente comercializar energia elétrica; e iii) a utilização da autorização exclusivamente para objetivos diversos da comercialização.
Outro ponto de extrema relevância, é que o agente deverá constituir garantias financeiras de pelo menos 10 vezes o valor do limite operacional durante os 6 primeiros meses após sua adesão à CCEE. Isso significa dizer que o comercializador deve ter a possibilidade de compor 10 vezes a quantia de R$ 1.610.904,00 (limite operacional mínimo de 2024), valor que é atualizado monetariamente pelo IPCA. Constituindo, então, outro requisito para a manutenção da autorização e, por consequência, para a continuidade das atividades de comercialização. Os Procedimentos de Comercialização (PdC) estabelecem que, independentemente do motivo, se o limite operacional constituído venha a se tornar inferior ao limite mínimo, a CCEE informará ao agente, que deve recompor o saldo em até cinco dias úteis. Caso o agente não faça a regularização no prazo indicado terá o procedimento de inabilitação compulsória iniciado.
Quais os requisitos para atuar como agente de comercialização varejista de energia elétrica? (representação)
Dando prosseguimento, sabemos que a comercialização varejista de energia elétrica no âmbito do SIN se caracteriza pela representação, por agentes da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), das pessoas físicas ou jurídicas que tenham a possibilidade de não aderir diretamente à CCEE (art. 10º da RN n. 1011/2022). Ou seja, que o representante possui a prerrogativa de gerir a compra e venda de energia em nome do representado, atuando como intermediário.
Para exercer a representação, os comercializadores ou geradores integrantes da CCEE devem atender aos requisitos estabelecidos previamente na Resolução Normativa n. 1011/2022. Assim como os representados devem se atentar às diversas exigências estabelecidas pela mesma normativa. Para melhor entendimento, o quadro abaixo esquematiza os requisitos necessários para ocupar ambos os polos da representação na comercialização varejista de energia elétrica.
Agentes Representantes | Agentes Representados |
Deve haver aprovação do Conselho Administrativo da CCEE (CAd), que está sujeita a demonstração do proponente, interessado em exercer a representação, de que possui regular atuação no mercado e que suas atividades respeitam os princípios de probidade e boa-fé. | Somente podem ser representados: i) os consumidores com unidades consumidoras aptas à aquisição de energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre (ACL); e ii) os detentores de concessão, autorização ou registro de geração com capacidade instalada inferior a 50 MW, não comprometidos com a CCEAR, CER ou Cotas. |
A demonstração que condiciona a aprovação do CAd abrange: i) todos os sócios ou acionistas; ii) os controladores societários indiretos e os intermediários do proponente e os sócios ou acionistas desses controladores; iii) as controladas, coligadas e de simples participação do proponente, com os respectivos sócios e acionistas; e iv) administradores, diretores, conselheiros e demais prepostos do proponente. | Podem os detentores de concessão ou autorização para geração com capacidade instalada igual ou superior a 50 MW, não comprometidos com a CCEAR, CER ou Cotas, optar pela representação. Porém, devem ser agentes da CCEE, respondem de forma proporcional e solidária pelos resultados decorrente da gestão de seu representante, todo o relacionamento com a CCEE será exercido pelo varejista em nome do representado e a adesão ao Contrato para Comercialização Varejista é inaplicável |
O agente proponente deve declarar à CCEE, quando houver, a existência de matrimônio, união estável e de parentesco consanguíneo entre os sócios, acionistas, administradores, diretores, conselheiros e demais prepostos do proponente, com outros agentes do setor elétrico. | Deve atender os critérios estabelecidos nos artigos 15 e 16 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996 quanto ao montante de uso contratado relativo à unidade consumidora a ser modelada em nome do agente representante. |
Nos 12 meses anteriores à solicitação ao CAd até o deferimento de sua habilitação, não pode ter incorrido em qualquer descumprimento de obrigação no âmbito da CCEE. | |
Se os agentes não possuem o histórico mínimo de operação na CCEE de doze meses, ou se possuem mas não comercializaram o montante anual mínimo de 10 MWmédios, deve-se observar se o controle societário direto e indireto não tenham incorrido em qualquer descumprimento de obrigação no âmbito da CCEE, nos últimos 12 meses. Não sendo isso aplicável, deve-se observar se os controladores societários intermediários e todas as coligas não descumpriram as referidas obrigações. | |
O agente deve comprovar detalhadamente que possui estrutura técnico-operacional, comercial e financeira adequadas, observando os critérios do PdC. |
Ainda sobre os agentes representantes, acrescentamos que se existir ação judicial ou procedimento arbitral tratando de matéria de exigibilidade de débitos devidos no âmbito da CCEE, que envolva atores do agente proponente, como sócios, acionistas, intermediários, administradores (art. 11,§ 3º da RN n.1011/2022), deve-se comprovar o depósito judicial integral do valor em conta bancária, aberta especialmente para tal fim.
Vale ressaltar que a aprovação do CAd, assim como a manutenção da habilitação à comercialização varejista e a ampliação do mercado representado são condicionadas ao cumprimento de índices mínimos, apurados mediante demonstrações contábeis aprovadas por órgão societário com base em parecer expedido por auditoria independente, parâmetros mínimos de resultado relacionados a balanços energéticos também realizados por auditorias independentes e demais obrigações de cunho societário, comercial ou concorrencial estabelecidos pelo PdC.
A possibilidade de que os agentes proponentes não precisem cumprir os critérios elencados no quadro acima existe, mas está condicionada aos seguintes pontos: i) que a representação desejada seja apenas do mesmo grupo societário, com participação mínima de 5%, ou do mesmo complexo industrial ou comercial; ii) haja renúncia expressa ao exercício da comercialização varejista para o atendimento de qualquer representado que não pertencente aos grupos anteriormente citados; e iii) que os representados manifestem expressamente sua responsabilidade, proporcional e solidária, em face do resultado financeiro incorrido pelo representante nas operações no âmbito da CCEE.
Ainda, em relação à obtenção de habilitação para atuar como varejista, o PdC define que a solicitação deve ser realizada, exclusivamente, por meio de sistema específico, localizado na área logada do site da CCEE, onde deve preencher as informações necessárias, disponibilizar os documentos exigidos, nos formatos de arquivos estabelecidos, e nos prazos corretos. O proponente se compromete e se responsabiliza pela validade e regularidade dos dados fornecidos à CCEE, incluindo os poderes do(s) signatário(s) dos documentos, pois a assinatura deles os vincularão às obrigações existentes no âmbito da CCEE. Cumpre ressaltar que o representante legal deve ter poderes para representar o agente perante a CCEE, caso esse requisito não seja observado, pode fazê-lo incorrer em responsabilidade civil, criminal e/ou administrativa.
A CCEE não se responsabiliza por qualquer erro de cadastro ou não atualização de informações no sistema. Segundo o PdC, deve o proponente se responsabilizar pela validade de toda a documentação de habilitação na data limite estabelecida para a regularização de pendências. A CCEE deve divulgar a conclusão da análise no prazo de até 5 dias úteis contados da data de recebimento do cadastro e documento, podendo solicitar documentação adicional, que também deve ser analisada em até 5 dias úteis da entrega do complemento pelo proponente.
Como podemos observar, os requisitos são diversos. Tanto para obter a autorização para comercialização de energia elétrica, quanto para poder ser habilitado como um representante no setor varejista, existem diversas regras e procedimentos que precisam ser observados e seguidos à risca para realizar as atividades respectivas.
Quais seriam os critérios para a manutenção da atividade de comercialização varejista?
A RN n. 1011/2022 trata não apenas de definir os requisitos para a obtenção da autorização, mas também elenca pontos de observância do agente para a manutenção e vigência das atividades de comercialização de energia elétrica.
É importante ressaltar que as atividades englobadas pela comercialização são definidas nos Procedimentos de Comercialização (PcD), estabelecidos pela CCEE. Esses documentos não somente complementam as regras, procedimentos e requisitos estabelecidos nas normativas, mas também acrescentam uma série de critérios que devem ser observados para que a Comercialização Varejista seja realizada da forma pretendida. Ao aqui nos debruçarmos sobre as disposições do PdC, deve ficar claro que o dispositivo atual passa por um processo de adequação à RN n 1.081/2023 e as modificações sugeridas pela CCEE estão em fase de consulta pública na ANEEL.
Existem, ainda, outros critérios que são próprios da atividade em si de comercialização varejista que fazem parte da extensa lista que os empreendedores devem se atentar para garantir a manutenção da atividade varejista. Vejamos.
Os Procedimentos de Comercialização da CCEE definem que o processo de manutenção de habilitação varejista deve ocorrer anualmente: i) no mês em que foi aprovada a habilitação varejista do agente; e ii) no mês em que foi aprovada a adesão à CCEE do agente. Sendo responsabilidade do agente o atendimento dessa obrigação em tempo hábil para a análise da CCEE, o contrário pode ensejar sanções regulatórias.
Nesse sentido, como mencionado anteriormente, a Resolução Normativa n.1081/2023 da ANEEL realizou diversas alterações nas normativas sobre a comercialização varejista, atualizando a RN n.1011/2022 e buscando novas e necessárias perspectivas para o nicho. Pois bem. A seguir iremos elencar os critérios para a comercialização varejista no âmbito da CCEE e sinalizar as transformações promovidas pela nova Resolução, com a explicitação dos pontos que necessitam de especial atenção por parte dos agentes varejistas.
Deve-se observar: i) a modelagem de ativos de medição se dá sob perfil contábil criado especificamente para cada tipo de geração ou consumo; ii) a contabilização dos representados é realizada conforme os perfis contábeis, acima citados, e o submercado; iii) a liquidação financeira das operações é efetivada de forma unificada, em nome do agente representante; iv) pode-se contratar energia elétrica de qualquer fonte de geração para o atendimento de unidades consumidoras enquadradas nos arts. 15 ou 16 da Lei n. 9.074/1995; v) somente pode-se contratar energia elétrica convencional especial e incentivada especial para o atendimento de unidades consumidoras enquadradas, exclusivamente, no § 5º do art. 26 da Lei n. 9.427/1996; vi) somente é possível a aquisição parcial de energia elétrica junto à distribuidora local, se previamente acordado com o varejista correspondente; vii) eventuais descontos associados às tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição são aplicado de maneira uniforme a todas as unidades consumidoras, modeladas sob um mesmo perfil contábil; viii) a apuração do lastro do agente representante e a constituição de garantias financeiras se dá conforme normas aplicáveis; ix) deve o agente representante cumprir todas as obrigações atinentes aos representados e respectivos ativos de medição; x) as relações comerciais passíveis de livre pactuação, independentemente da forma e do instrumento empregados pelo representante e o representado – antes das alterações, essas relações deveriam ter vigência por prazo indeterminado concomitante ao do Contrato para Comercialização Varejista; e xi) devem ser divulgadas no portal eletrônico do agente varejista, com descrição detalhada, modelos de contratos, preços e condições gerais para um produto de referência, nos termos do Procedimento de Comercialização – a mudança realizada pela nova RN define que seja observado o PdC da CCEE, além de alterar a terminologia de “produtos padronizados” para “produtos de referência”.
Sobre o portal eletrônico, o PdC já estabelece que os agentes devem possuir domínio próprio ou website dentro do domínio do grupo econômico, com expressão semelhante ao nome empresarial. Além disso, devem estar indicadas as demais pessoas jurídicas controladas, controladoras, coligadas e de controlador comum que sejam, também, agentes do setor elétrico. Uma das atualizações previstas para o PdC, que está atualmente em consulta pública na ANEEL, trata de definir que o portal eletrônico tenha a descrição detalhada de modelos de contrato, preços e condições gerais para um produto de referência, contendo as seguintes informações: a) preços constantes durante o prazo; b) sazonalização e modulação uniforme; c) prazo contratual (anual, bianual); d) submercado; e) tipo de energia (convencional ou especial); f) período da garantia bilateral; g) data de pagamento; h) encargos (se inclusos ou não no preço); e i) limites de flexibilidade.
A RN n. 1.081/2023 definiu também a CCEE como gestora dos dados de medição das unidades consumidoras e das informações a respeito da comercialização varejista, ficando responsável pela recepção dos dados e alocação deles ao ativo de consumo dos respectivos agentes representantes dessas unidades. A disponibilização desses dados à CCEE deve ser feita por agentes de distribuição e transmissão, que realizam as medições de energia das unidades consumidoras. Todavia, é importante sabermos que a coleta de dados de medição dessas unidades consumidoras e informações sobre a comercialização, pela CCEE, deve ser realizada observando as formas dispostas no PdC.
Outra mudança relevante trata sobre a modelagem da unidade consumidora ou geradora. Agora, além do cumprimento das obrigações estabelecidas pelas demais normas aplicáveis, o agente representante deve estar adimplente e instituir seu pedido à CCEE com todos os documentos necessários, estabelecidos pelo PdC. Antes de conceder a permissão para operacionalização da representação, a CCEE, ainda, pode exigir o registro do contrato de compra de montante compatível com a carga da unidade consumidora cuja modelagem está sendo solicitada. A RN n. 1.081/2023 alterou o disposto na Resolução anterior quanto à documentação, visto que antes os documentos necessários eram: i) Contrato para Comercialização Varejista; ii) Contrato de Uso do Sistema em vigor; e iii) demais documentos exigíveis, estabelecidos pelo PdC.
Se o mesmo agente representante for realizar a modelagem de nova unidade consumidora de um agente já representado por ele, assim como qualquer atualização dos dados cadastrais, deve ser encaminhada as alterações à CCEE, também seguindo o determinado no PdC. Sobre isso, o representado e, conforme RN n. 1.081/2023, também o representante devem atender todas as requisições da CCEE acerca de informações e apresentação de documentos sobre a comercialização varejista ou previstas em outras normas setoriais. Vale ressaltar que caso essas solicitações não sejam cumpridas no prazo fixado, pode haver a aplicação de penalidades administrativas pela ANEEL.
O sistema utilizado para gerir essas informações deve permitir acesso aos representantes, às distribuidoras e àqueles a quem os consumidores tenham concedido autorização de acesso.
Ainda, sobre a atualização dos dados cadastrais, a RN n. 1.011/2021 definia que essa atualização era de responsabilidade do representado perante a CCEE. Na atual Resolução, o representado deve manter seus dados atualizados perante o representante e este que tem a responsabilidade de atualização dos dados dos seus representados perante a CCEE.
Outra alteração importante promovida pela RN n. 1.081/2023 trata da atribuição ao representado, por intermédio do representante, da cota de energia do PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) associada à unidade consumidora modelada. A Resolução n. 1.011/2022 definia que durante o processo de modelagem de unidade consumidora, a CCEE deveria considerar o histórico de consumo da unidade para promover o cálculo da cota de energia do PROINFA a ser atribuída ao consumidor. Sendo essa exigência não mais necessária, é de suma importância ressaltar que permanece o dever do agente representante de considerar a cota de energia do PROINFA no processo de faturamento dos consumidores representados.
Como ocorre a extinção da comercialização varejista?
Passamos agora às possibilidades de extinção da comercialização varejista – a não observância de algumas das previsões normativas podem gerar responsabilização tanto para o agente varejista como para os seus representados.
Primeiramente, a RN n. 1081/2023 reformou as hipóteses de extinção da comercialização varejista, que devem ter previsão no Contrato para Comercialização Varejista, ao especificar que a resolução ou resilição deve se dar por meio de: i) inadimplemento contratual; ii) iniciativa de uma das partes (unilateral); ou iii) iniciativa de ambas as partes (comum acordo). A notificação para o encerramento do Contrato para Comercialização Varejista deve ser enviada ao varejista ou ao representado e, também, à CCEE. Uma atualização das alterações sugeridas pela CCEE ao PdC, que está em consulta pública, é que nos casos de resilição contratual em comum acordo a notificação respectiva para encerramento do Contrato poderia ser dispensada.
Tratando da resolução por inadimplemento contratual ou da resilição unilateral, as notificações devem ser efetuadas com antecedência mínima de quinze dias, nos casos de resolução (inadimplemento), ou noventa dias, nos casos de resilição contratual; da data pretendida para o término da contratação, devendo ser observado o disposto no PdC e no próprio contrato.
Sobre tal notificação, o PdC prevê que também deve o consumidor representado ser informado, para que ele diligencie a continuidade de sua operação comercial antes do término contratual. No caso de o representado pretender prosseguir com suas atividades, deve organizar a continuidade de sua operação comercial antes do término contratual. Abaixo listamos as opções de prosseguimento e como os agentes representados devem proceder, em cada um dos casos, de acordo com os Procedimentos de Comercialização.
Substituição de Varejista | Adesão do Representado a CCEE | Retorno da unidade consumidora ao atendimento cativo |
Contratar outro agente representante. | Aderir à CCEE em nome próprio, caso a regulação vigente não exija sua representação por agente varejista. | Sendo consumidor, contratar seu atendimento integral ou parcial com a distribuidora local. |
1 – Envio da notificação de encerramento do Contrato. | 1 – Deve seguir os procedimentos de adesão à CCEE, já citados neste artigo. | 1 – O consumidor deve enviar ao varejista a notificação para o encerramento do Contrato. |
2 – O novo varejista que pretenda efetivar a representação deve encaminhar à CCEE: os documentos do representado, a notificação para encerramento do Contrato enviada ao varejista anterior e o respectivo comprovante de recebimento. | 2 – O varejista deve solicitar a exclusão do cadastro ativo, como também o agente de medição deve providenciar a solicitação de desativação dos pontos de medição correspondentes. |
Porém, o representado somente pode proceder das maneiras antes elencadas se houver comprovação da ausência de débitos, por meio de declaração do agente varejista que o representava anteriormente. O descumprimento dessas orientações gera a desmodelagem dos ativos representados, seguindo as condições estabelecidas pelo PdC, referente à suspensão do fornecimento, por ausência de relação de consumo, às unidades consumidoras sob titularidade do consumidor que nada fizerem em relação ao fim da relação contratual e ao tratamento de eventual energia gerada.
Um ponto relevante é que o agente representante permanece responsável pelas cargas de consumidores até a execução da suspensão do fornecimento de todas as unidades consumidoras. Isso não se aplica apenas se o representado efetivar uma das opções para a continuidade de suas operações no curso do procedimento de desmodelagem ou se o prazo limite para a suspensão do fornecimento pela distribuidora/transmissora tiver se excedido e não for impossível a suspensão do fornecimento.
Nas hipóteses de instauração de procedimento para desligar o agente representante da CCEE, por inadimplemento ou diante da inabilitação para comercialização varejista, assim como de processo administrativo, na ANEEL, para revogar a outorga e, consequentemente, gerar o desligamento compulsório do agente, deve a CCEE notificar os representados, nos termos do PdC, sobre os efeitos do não cumprimento por parte do representado de uma das três possibilidades de ação elencadas no quadro.
Exige-se da CCEE, ainda, informar quais agentes adimplentes estão habilitados à representação e esclarecer quanto aos efeitos do desligamento ou da inabilitação do representante. Além disso, deve ser esclarecido ao agente representado que ele pode adotar qualquer das hipóteses elencadas no quadro para dar continuidade na sua operação e que é nula qualquer estipulação contratual de penalidade no caso de exercício de uma dessas hipóteses. Quando a CCEE deliberar e decidir pelo desligamento ou inabilitação do agente representante, deve haver nova notificação por Correios ou por meio eletrônico.
Na RN n. 1.011/2022 era estabelecido um prazo para os representados definirem como gostariam ou não de dar continuidade ao seu procedimento (i) contratar outro agente representante; ii) aderir à CCEE em nome próprio, caso a regulação vigente não exija sua representação por agente varejista; ou iii) sendo consumidor, contratar seu atendimento integral com a distribuidora local. Porém, a Resolução de 2023 revogou essas disposições.
Durante o processo de desligamento ou inabilitação do agente representante é condição resolutiva do contrato para comercialização varejista, quanto à cada ponto de medição, quando: i) haja modelagem de ponto de medição sob o perfil do próprio agente, anteriormente representado, nos casos em que a legislação não exija sua representação por agente varejista; ii) a modelagem sob o perfil de novo representante; ou iii) quando a unidade consumidora, contrata diretamente com a distribuidora local.
O descumprimento dos critérios e requisitos para a habilitação e manutenção da habilitação varejista, estabelecidos neste normativo e nos PdC, por óbvio, ocasionam a inabilitação para comercialização varejista.
Considerações finais
Concluímos, portanto, que a comercialização varejista de energia elétrica no Brasil está em um momento de transição e adaptação, refletindo as recentes mudanças regulatórias e a abertura do mercado livre. As Resoluções Normativas n. 1.081/2023 e n. 1.011/2022 trouxeram à tona a necessidade de maior atenção aos requisitos e procedimentos para a obtenção e manutenção da habilitação de comercializadores varejistas. Com isso, os empreendedores do setor devem estar atentos às exigências específicas e às atualizações constantes promovidas pela ANEEL e pela CCEE.
Ademais, é imprescindível que os agentes representantes e representados compreendam plenamente suas responsabilidades e os riscos envolvidos na operação do mercado varejista. A conformidade com os procedimentos e normas estabelecidas é fundamental para garantir a continuidade e a eficiência das operações, minimizando possíveis sanções e penalidades.
Por fim, o avanço no setor de comercialização varejista de energia elétrica representa uma oportunidade significativa para novos negócios e inovação. Contudo, o sucesso nessa empreitada exige um conhecimento aprofundado das normas regulatórias, uma estrutura operacional robusta e uma gestão eficiente dos riscos associados. O futuro da comercialização varejista promete ser promissor, desde que os agentes envolvidos estejam devidamente preparados e informados.