Detalhes do PL 3027/2024 – o Programa de Desenvolvimento de Baixa Emissão de Carbono

O objetivo do presente artigo é detalhar todas as normas trazidas pelo referido projeto de lei. Como funcionará a concessão dos créditos fiscais? Quem poderá acessá-los? Qual o montante disponibilizado? Qual será a forma de obtenção, via concorrência? Haverá necessidade de regulação?

Está para ser sancionado pela Presidência da República o PL 3027/2024, que passará a (re)inserir o Programa de Desenvolvimento de Baixa Emissão de Carbono (PHBC) no bojo da Lei n. 14.948/2024, que instituiu o Marco Legal do Hidrogênio no País. 

O objetivo do presente artigo é detalhar todas as normas trazidas pelo referido projeto de lei. Como funcionará a concessão dos créditos fiscais? Quem poderá acessá-los? Qual o montante disponibilizado? Qual será a forma de obtenção, via concorrência? Haverá necessidade de regulação?

Vamos ponto a ponto, ou, melhor, artigo por artigo.

Quais os objetivos do Programa de Desenvolvimento de Baixa Emissão de Carbono?

O Artigo 2º do PL 3027/2024 especifica os objetivos do PHBC, que são fundamentais para entender a abrangência e a ambição deste programa. O primeiro objetivo, delineado no inciso I, é o desenvolvimento tanto do hidrogênio de baixa emissão de carbono quanto do hidrogênio renovável. Este enfoque duplo é crítico, pois reconhece a importância de diversificar as fontes de hidrogênio para assegurar não apenas a redução de emissões, mas também a resiliência e sustentabilidade do suprimento energético. O hidrogênio renovável, produzido a partir de fontes de energia como a solar, eólica ou hídrica, é considerado a opção mais limpa, alinhando-se com a sub-espécie trazida na Lei n. 14.948/2024 de hidrogênio verde. 

O segundo objetivo, previsto no inciso II, é dar suporte às ações em prol da transição energética. Isso envolve o apoio a uma ampla gama de atividades, desde pesquisa e desenvolvimento até a criação de infraestrutura adequada para produção, transporte e armazenamento de hidrogênio. Este suporte pode ser considerado, para além do estabelecimento de subsídios, também institucional, visando criar um ambiente regulatório e de negócios que incentive a inovação e a adoção de novas tecnologias.

O inciso III do Artigo 2º foca na importância de estabelecer metas objetivas para o desenvolvimento do mercado interno de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Já o inciso IV destaca a aplicação de incentivos para descarbonização em setores industriais de difícil descarbonização, tais como os setores de fertilizantes, siderúrgico, cimenteiro, químico e petroquímico. Estes setores são tradicionalmente considerados “hard-to-abate” devido à sua dependência de processos químicos e físicos que resultam em altas emissões de carbono. O uso do hidrogênio de baixa emissão de carbono como uma alternativa energética nesses setores representa uma abordagem inovadora e, nesse sentido, poderá o órgão regulador utilizar esse aspecto como critério para a oferta de subsídios.

Finalmente, o inciso V promove o uso do hidrogênio de baixa emissão de carbono no transporte pesado. Este segmento do setor de transporte, que inclui caminhões de longa distância, ônibus e navios, é um dos mais desafiadores para descarbonizar devido à densidade energética necessária para operar esses veículos por longos períodos sem reabastecimento. O hidrogênio, com sua alta densidade energética e capacidade de reabastecimento rápido, oferece uma solução potencialmente transformadora para reduzir as emissões de carbono neste setor.

Qual espécie de benefício o Programa de Desenvolvimento de Baixa Emissão de Carbono estabelece?

O Artigo 3º da legislação prevê a concessão de crédito fiscal para a comercialização desse combustível e de seus derivados produzidos no território nacional. Este dispositivo visa mitigar os custos iniciais e reduzir a diferença de preço entre o hidrogênio de baixa emissão de carbono e os combustíveis fósseis convencionais, facilitando, assim, a adoção e o desenvolvimento do mercado de hidrogênio no País.

O mecanismo de crédito fiscal, conforme detalhado no § 1º, é definido como um percentual que pode chegar até 100% da diferença entre o preço estimado do hidrogênio de baixa emissão de carbono e o preço estimado de bens substitutos. Este percentual é um elemento fundamental para incentivar a produção e a comercialização de hidrogênio, pois atua diretamente na competitividade do preço, tornando o hidrogênio uma opção mais atraente para consumidores e indústrias. Ao cobrir potencialmente toda a diferença de custo, o crédito fiscal garante que o preço do hidrogênio de baixa emissão de carbono se torne comparável ou até mais competitivo em relação aos combustíveis tradicionais, promovendo uma transição mais rápida para fontes de energia limpa.

O § 2º introduz uma nuance importante ao dispositivo de crédito fiscal: o percentual concedido poderá ser inversamente proporcional à intensidade de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) do hidrogênio produzido. Essa abordagem diferenciada reconhece a necessidade de incentivar práticas de produção mais limpas e eficientes. Em outras palavras, quanto menor a intensidade de emissões de GEE no processo de produção do hidrogênio, maior tende a ser o crédito fiscal concedido. Esse incentivo cria um ambiente competitivo positivo, onde produtores de hidrogênio são encorajados a adotar tecnologias de produção mais verdes e a investir em processos que minimizem as emissões, alinhando o desenvolvimento econômico com os objetivos ambientais.

O § 3º esclarece que o valor final do crédito fiscal será determinado por um procedimento concorrencial, que veremos em seguida. Este procedimento concorrencial buscar garantir que o crédito fiscal não seja concedido de forma arbitrária, e, sim, baseado em critérios claros e transparentes que favoreçam a competitividade e a eficiência.

Quem será elegível para a concessão de crédito fiscal?

O § 4º do Artigo 3º detalha os critérios de elegibilidade para a concessão dos créditos fiscais.

O primeiro requisito, conforme o inciso I, é a contribuição ao desenvolvimento regional. Este critério destaca a importância de promover um crescimento econômico equilibrado e inclusivo em todas as regiões do Brasil. Ao incentivar projetos que contribuem para o desenvolvimento regional, a legislação visa assegurar que os benefícios do crescimento econômico associado à transição energética sejam amplamente distribuídos, favorecendo regiões menos desenvolvidas e promovendo a equidade regional. Isso também pode incluir o incentivo a projetos localizados em áreas com infraestrutura menos desenvolvida, onde o impacto econômico de novas iniciativas pode ser mais significativo.

O inciso II estabelece que projetos devem demonstrar uma contribuição às medidas de mitigação e adaptação à mudança do clima. Este requisito está em linha com os compromissos internacionais do Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e enfrentar os desafios das mudanças climáticas. 

O inciso III foca no estímulo ao desenvolvimento e à difusão tecnológica. Ao promover projetos que impulsionam o desenvolvimento de novas tecnologias e sua difusão no mercado, o PL visa fortalecer a base tecnológica do Brasil. Além disso, o incentivo ao desenvolvimento tecnológico contribui para a criação de um ambiente favorável à inovação, atraindo investimentos, talentos e novas oportunidades de negócios.

Por fim, o inciso IV sublinha a importância da contribuição à diversificação do parque industrial brasileiro. Este requisito busca incentivar projetos que também ajudem a diversificar a base industrial do País. Ao promover a diversificação, o PL visa reduzir a dependência de setores industriais tradicionais, fomentar a criação de novos segmentos industriais baseados em tecnologias limpas e sustentáveis, e, assim, aumentar a resiliência econômica e a competitividade global do Brasil.

Qual será a limitação dos valores a título de créditos fiscais?

O § 1º do artigo 4º detalha os limites globais anuais para os créditos fiscais que poderão ser concedidos entre 2028 e 2032, estipulando valores específicos para cada ano-calendário. Esses valores são escalonados de forma crescente: R$ 1,7 bilhão para 2028, R$ 2,9 bilhões para 2029, R$ 4,2 bilhões para 2030, R$ 4,5 bilhões para 2031 e, finalmente, R$ 5 bilhões para 2032. Este escalonamento crescente reflete uma abordagem progressiva, permitindo uma expansão gradual do programa à medida que a infraestrutura de hidrogênio de baixa emissão de carbono se desenvolve e o mercado amadurece.

O § 2º delega ao Poder Executivo a responsabilidade de definir o montante de créditos fiscais a ser concedido, sempre em conformidade com as metas fiscais e os objetivos do PHBC. Esta disposição confere ao governo a flexibilidade necessária para ajustar a concessão de créditos fiscais com base nas condições econômicas e fiscais do País, garantindo que o programa de incentivo não comprometa a saúde fiscal do Estado. Ao vincular a concessão de créditos fiscais às metas e objetivos do programa, o dispositivo também assegura que os incentivos concedidos estejam diretamente alinhados com a política energética e ambiental do Brasil.

Conforme o § 3º, os valores definidos para os créditos fiscais devem ser incluídos no projeto de Lei Orçamentária Anual que o Poder Executivo federal encaminha ao Congresso Nacional. Este requisito assegura que a concessão de créditos fiscais seja planejada de forma transparente e previsível, permitindo ao Congresso Nacional e ao público monitorar e avaliar o uso dos recursos públicos. 

Já o § 4º introduz uma importante flexibilidade na gestão dos créditos fiscais, permitindo que os valores não utilizados dentro dos limites anuais estabelecidos no § 1º possam ser transferidos para os anos subsequentes. Dando enfoque à transparência, o § 5º do citado dispositivo exige que o Poder Executivo divulgue os montantes de créditos fiscais que forem concedidos e utilizados, bem como seus beneficiários. 

E quem poderá se beneficiar dos créditos fiscais?

Ainda, o § 6º adiciona que os créditos fiscais deverão ser concedidos tanto para produtores como, também, para compradores de hidrogênio de baixa emissão de carbono. E, consoante o § 9º, serão elegíveis à apuração dos créditos fiscais empresas ou consórcios de empresas que sejam as vencedoras do respectivo procedimento concorrencial, adiante tratado. Ainda, as referidas empresas ou consórcios, em sendo produtoras, deverão ter sido beneficiários do REHIDRO – Regime Especial de Incentivos para Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono – e, no caso de compradores, estes deverão adquirir o hidrogênio produzido por empresas ou consórcios beneficiários do REHIDRO.

E como ocorrerá a concessão dos créditos fiscais?

Conforme o § 7º do artigo 4º do PL 3027/2024, a concessão dos créditos fiscais será precedente de procedimento concorrencial. Este procedimento concorrencial será definido em regulamento pela ANP. Obviamente, ao instituir o procedimento concorrencial como norte para a concessão dos créditos fiscais, busca o legislador trazer a máxima transparência e imparcialidade possível quanto aos potenciais beneficiários do programa.

Desde logo, o § 8º impõe como critério mínimo de julgamento das propostas o menor valor do crédito por unidade de medida do produto. Isso significa que, durante o processo de seleção, as propostas serão avaliadas com base na eficiência do uso dos créditos fiscais, medido pela relação entre o valor do crédito fiscal solicitado e a quantidade do produto produzido. Em outras palavras, o projeto que conseguir produzir mais por uma menor quantidade de crédito fiscal será considerado o mais vantajoso.

E o que acontece se o projeto não for implementado?

O § 10 do artigo 4º do PL 3027/2024 trata das penalidades para o titular de um projeto que não for implementado ou que seja implementado de forma contrária à lei ou ao regulamento.

As sanções previstas são as seguintes:

  1. Multa de até 20% do valor do crédito fiscal que seria destinado ao projeto. Ou seja, se o projeto não for executado ou for implementado incorretamente, o responsável pelo projeto pode ser multado em até 20% do valor do crédito fiscal que estava previsto para ser concedido, conforme estabelecido no regulamento.
  2. Devolução dos créditos fiscais: se o titular do projeto tiver ressarcido ou compensado créditos fiscais de forma indevida, ele terá que devolver esses valores ou reverter os créditos concedidos até o último dia útil do mês seguinte ao descumprimento do projeto.

Quais diretrizes o PL 3027/2024 já traz em seu bojo?

O § 11 do artigo 4º do PL 3027/2024 estabelece diretrizes adicionais que podem ser consideradas no procedimento para a concessão de créditos fiscais relacionados à produção ou consumo de hidrogênio de baixa emissão de carbono.

Entre as possibilidades previstas, está a concessão de créditos fiscais em montantes decrescentes ao longo do tempo, incentivando que os projetos se tornem mais eficientes e sustentáveis. Além disso, os projetos que apresentarem menor intensidade de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e aqueles que tiverem maior potencial de adensamento da cadeia de valor nacional poderão ter prioridade, promovendo tanto a sustentabilidade quanto o desenvolvimento econômico interno.

O valor do crédito fiscal também poderá ser fixado com base na diferença entre o preço do hidrogênio e o preço de bens substitutos, incentivando a competitividade do hidrogênio no mercado. Por fim, poderá ser exigida a apresentação de garantias vinculadas à implementação do projeto, assegurando que o mesmo seja executado conforme o planejado.

Por fim, convém ressaltar que os créditos fiscais corresponderão a crédito da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). E, ainda, poderão ser utilizados de duas maneiras: compensação com débitos próprios, sejam eles vencidos ou vincendos, referentes a tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, ou por meio de ressarcimento em dinheiro. Caso o crédito fiscal não seja compensado, a Secretaria Especial da Receita Federal deverá realizar o ressarcimento no prazo de até 12 meses, contados a partir da data do pedido. A Secretaria poderá ainda emitir uma instrução normativa para regulamentar os procedimentos descritos nesse artigo.

E existirá alguma limitação temporal para a concessão dos créditos?

Segundo o artigo 6º do PL 3027, o crédito fiscal somente poderá ser concedido para as operações de comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados produzidos no território nacional ocorridas no período de 1º de janeiro de 2028 a 31 de dezembro de 2032.

Em conclusão, o PL 3027/2024 representa um passo fundamental no desenvolvimento do mercado de hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil, alinhando-se às metas de descarbonização e à transição energética do País. A concessão de créditos fiscais, atrelada a critérios específicos, não apenas incentiva a produção e o consumo desse combustível limpo, mas também tende a promover inovações tecnológicas e a diversificação industrial. Com a implementação gradual e o monitoramento contínuo dos benefícios fiscais, o programa visa criar um ambiente competitivo e sustentável, que favoreça a adoção de hidrogênio em setores estratégicos.

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