O hidrogênio, o elemento mais abundante no universo, está cada vez mais no centro das
atenções no setor energético, prometendo uma revolução sustentável. Sua jornada desde
a primeira identificação de suas propriedades, como a inflamabilidade, por cientistas nos
séculos passados, até a sua posição atual como possível solução para a crise energética,
é marcada por inovações contínuas. Embora seja onipresente, o hidrogênio raramente
existe de forma livre na natureza, necessitando de processos específicos de extração.
Essas características o tornam uma opção atraente para o futuro da energia,
especialmente por ser um “combustível eterno” e não emitir dióxido de carbono na sua
utilização.
Na economia energética, o hidrogênio é classificado em várias categorias, como verde,
azul e cinza, com base no processo de produção e no impacto ambiental. O hidrogênio
verde, produzido através da eletrólise da água usando energia renovável, é visto como
um avanço significativo em termos de sustentabilidade. Contudo, enfrenta desafios
econômicos notáveis, principalmente porque o custo da eletricidade representa uma
grande parte dos custos operacionais. Projeções otimistas indicam que até 2030 o
hidrogênio verde poderá ser mais viável economicamente que as variantes azul e cinza,
destacando a importância de avanços tecnológicos e de eficiência na produção.
O setor elétrico deve estar atento a esse panorama em transformação. As políticas
públicas voltadas para soluções sustentáveis e o crescente interesse global por energia
limpa sinalizam um futuro promissor para o hidrogênio verde – e notadamente para o
Brasil. No entanto, o desenvolvimento deste setor ainda é incipiente, e o equilíbrio entre
custos de produção e demanda será um aspecto crucial para o sucesso.
A legislação brasileira relacionada ao hidrogênio ainda está evoluindo. Propostas como o
PL 1808/2022 e o PL 2308/2023 (existem outros ainda) buscam criar um marco
regulatório para a produção e uso do hidrogênio, delineando as competências de órgãos
reguladores e estabelecendo padrões para o licenciamento, qualidade e segurança. Os
agentes do setor elétrico precisam acompanhar essas mudanças regulatórias de perto,
pois elas influenciarão diretamente as oportunidades de negócios e as condições de
mercado no segmento de hidrogênio.
O PL 1808/2022 foca principalmente na produção e uso do hidrogênio verde. Este projeto
de lei destaca-se por tentar definir e regulamentar a produção de hidrogênio a partir de
fontes renováveis, sem emissão direta de dióxido de carbono. Seus principais pontos
incluem:
- A definição de hidrogênio verde como o hidrogênio gerado através da eletrólise da água,
utilizando eletricidade produzida por fontes renováveis. - Estruturação de um marco regulatório específico para a produção e utilização do
hidrogênio verde, incluindo medidas de incentivo à pesquisa e desenvolvimento, assim
como linhas de crédito. - Atribuição de responsabilidades de regulação e fiscalização a órgãos específicos,
visando assegurar a conformidade com as normas ambientais e técnicas.
Por outro lado, o PL 2308/2023 apresenta um escopo um pouco mais amplo, estendendose além do hidrogênio verde para incluir o hidrogênio como um combustível em geral. Os
aspectos-chave deste projeto são: - Definição de hidrogênio combustível e hidrogênio verde, abrangendo uma variedade de
processos e rotas tecnológicas, incluindo a eletrólise da água, gaseificação de
biomassa, entre outros. - Inserção dessas definições na Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997), integrando o
hidrogênio à legislação existente relacionada a recursos energéticos. - Criação de um marco regulatório que aborda desde a produção até o uso do hidrogênio
em diversos setores, incluindo transporte, geração de energia e aplicações industriais.
A existência de projetos de lei distintos – não apenas os mencionados, mas tantos outros
existentes -, cada um abordando o tema do hidrogênio de maneiras diferentes, pode levar
a um cenário de certa incerteza regulatória. Percebe-se uma clara interação entre as
políticas propostas e o contexto de insegurança regulatória e jurídica no setor de
hidrogênio no Brasil. A Análise Econômica do Direito, ao enfatizar a eficiência e as
consequências práticas das normas legais, oferece um prisma particularmente relevante
para avaliar estes projetos de lei, considerando tanto os incentivos econômicos quanto as
barreiras jurídicas que eles podem criar.
Os PLs 1808/2022 e 2308/2023 são tentativas iniciais de fornecer um quadro legal para a
indústria emergente de hidrogênio no Brasil. A natureza inovadora do hidrogênio como
fonte de energia e a falta de precedentes legislativos claros criam um cenário de incerteza
que pode resultar em desafios para os stakeholders do setor, que terão que navegar por
um ambiente regulatório potencialmente fragmentado e complexo.
A insegurança regulatória surge não apenas da falta de legislação específica, mas
também das discrepâncias e potenciais conflitos entre os projetos de lei apresentados,
que podem levar a interpretações divergentes e dificultar a uniformidade nas práticas do
setor. Essa incerteza regulatória tem implicações econômicas diretas. A incerteza na
regulamentação pode desencorajar investimentos e inovação, pois os agentes
econômicos, face ao risco e à ambiguidade legal, podem hesitar em alocar recursos em
atividades que possuem resultados jurídicos e regulatórios imprevisíveis. Essa hesitação
pode ser particularmente prejudicial para uma indústria emergente como a do hidrogênio,
que depende fortemente de investimentos iniciais significativos em tecnologia e
infraestrutura.
Apesar do fator insegurança, a trajetória do hidrogênio, desde a descoberta de suas
propriedades fundamentais até seu papel emergente como um potencial game-changer
na crise energética global, é um testemunho da evolução contínua e da capacidade da
humanidade de inovar em busca de soluções sustentáveis. À medida que a legislação
evoluir para acompanhar os avanços tecnológicos e atender às demandas de um
mercado em transformação, abrir-se-á um caminho para um setor de hidrogênio mais
estruturado, seguro e economicamente viável no Brasil, onde o hidrogênio não só poderá
desempenhar um papel crucial na redução da dependência de combustíveis fósseis, mas
também impulsionar um novo paradigma energético.