Ponte aérea: entre a imprevisibilidade e as perigosas decisões otimistas no setor de energia

Escrevo este texto de dentro do avião que me leva de volta a Florianópolis. Passei dois dias no Rio de Janeiro fazendo reuniões, visitando empresas do setor de energia e vendo os amigos e sócios queridos.

Escrevo este texto de dentro do avião que me leva de volta a Florianópolis. Passei dois dias no Rio de Janeiro fazendo reuniões, visitando empresas do setor de energia e vendo os amigos e sócios queridos.

Embora cansada, sempre tive dificuldade de dormir em voos. E, sem internet (e sem rivotril – este apenas para longas viagens) neste antigo avião cuja poltrona ainda apresenta um buraco no formado de um cinzeiro, pego-me a refletir sobre algo que há muito estudo por vias da Análise Econômica do Direito.

Obviamente, como este novíssimo avião não trouxe outras alternativas para passar o tempo, tentarei escrever em palavras próprias – como sempre procuro fazer, mas, agora, sem acesso à pesquisa e livros que costumo usar – sobre algo que há muito povoa minha mente e meus escritos: a dor que a imprevisibilidade jurídica e regulatória traz para o setor elétrico.

Costumo dizer – e não é apenas por bom senso – que a insegurança e a incerteza sobre determinadas condutas, escolhas ou decisões geram um comportamento de busca de risco. Mais ainda, diante de algo imprevisível, o ser humano tende a superestimar resultados positivos. Torna-se um otimista nato e passa a acreditar sobremaneira que “tudo dará certo”.

Kahneman ensina, no livro rápido e devagar, que o otimismo é bom para o ser humano. Traz disciplina, traz resiliência e faz com que as pessoas ajam em prol de seus objetivos e sonhos. Pode-se concluir, assim, que superestimar resultados positivos em detrimento dos negativos, ao menos para a sua vida pessoal e profissional em termos de ascensão é algo a ser buscado e, talvez, um caminho a ser consciente e consistentemente trilhado.

Neste ponto, é possível que você esteja se perguntando: e qual a relação dessa psicologia toda com o setor de energia?

Com 1% da bateria que resta do meu notebook, tentarei responder isso a você com a seguinte frase: o otimista empreende no risco.

Aprofundando a questão, diante da subestimação de possíveis eventos ou resultados negativos sobre determinadas escolhas, o caminho que, na aparência, se apresente como sendo capaz de trazer algo bom em algum momento futuro tende a ser o escolhido.

De forma mais pragmática, no âmbito jurisdicional, por exemplo, não raro as partes – e, pior, o advogado – acreditam que podem, ambos, se sagrarem vencedores do conflito em que estão atuando. E, provavelmente, as duas partes têm razões, fáticas e jurídicas, capazes dar amparo às suas teses. O advogado do autor pesquisou a jurisprudência, viu que determinada câmara do tribunal estadual respectivo decide a seu favor, além de encontrado um precedente específico do STJ que se enquadra no seu caso. Já a advogada do réu fez a mesma coisa e, para surpresa de absolutamente ninguém, também foi capaz de encontrar teses e julgados que se encaixam perfeitamente na sua versão dos fatos.

Ora, em termos à la Análise Econômica do Direito, o que prolonga a existência e o que justifica o próprio nascimento de um conflito é a assimetria informacional entre as pessoas. Enquanto João acreditar que ocorreu A e que o direito a ser aplicado ao caso é o Z e, por outro lado, enquanto Maria acreditar que ocorreu B e que o direito a ser aplicado ao caso é o W, a distância entre uma possível solução consensual apenas aumentará. Uma ação judicial, como diz Steven Shavell, é um empreendimento de risco e, na incerteza jurídica, esse risco tende a ser buscado ou sopesado como o melhor caminho a ser seguido.

A imprevisibilidade, portanto, incentiva o ajuizamento de ações. E, pior, incentiva muito mais trabalhando a intuição das partes e dos advogados, no sentir que “posso ganhar”, do que propriamente uma decisão bem deliberada.

E, incondicionalmente, nada disso se diferencia das decisões tomadas nos conflitos relacionados à energia. Decisões administrativas têm o mesmo peso – senão mais – daquelas proferidas em âmbito jurisdicional quando se trata do setor elétrico. O empresário, os investidores em energia e a própria sociedade empresarial pautam algumas de suas decisões conforme a dança das agências administrativas – ANEEL, ANP, MME, entre outras. Eventuais decisões administrativas dissonantes ao longo do tempo e mudanças regulatórias e normativas constantes prejudicam não apenas os negócios e o mercado, mas tornam as pessoas que neles atuam perigosamente otimistas em suas decisões.

Como forma de mitigar a realização de escolhas potencialmente equivocadas e de trazer um antídoto à poção inebriante que, por vezes, se revela no formato do viés do otimismo, o primeiro passo é tomar consciência da existência dessa interlocução que o cérebro humano faz entre imprevisibilidade, otimismo e risco. Saber que o ser humano tenta, mas, na maioria das vezes, não consegue atingir a decisão ótima por ser impossível a exclusão da sua arquitetura decisória de fatores subjetivos e íntimos, pode fazer com que você tente um pouco mais antes de optar por determinado caminho. Fazer o papel do “advogado do diabo” e trabalhar como se você fosse a parte contrária por algum tempo, também ajuda a diminuir a força do viés otimista.

Mais ainda, se você não se interessar por vieses cognitivos, tampouco por entender o processo de tomada de decisão humana – um dos focos da economia -, somente a busca pelo bom senso e por decisões que não sejam tomadas apenas na razão incognoscível de “é porque é” já pode ser de grande valia.

Agora, com menos de 0,5% de bateria, resta-me deixar o otimismo de que poderei escrever mais a você sobre esse assunto de lado e, encerrando este artigo neste momento, torcer para que restem poucos quilômetros até o aeroporto de Florianópolis. Também torço para que as breves palavras aqui postas te tragam boas reflexões.

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