O avanço do mercado livre de energia

Imagine a seguinte gravura: uma feira à céu aberto em que os comerciantes vendem seus produtos, disputando o preço entre si para conquistar seus consumidores. Agora imagine que nesta feira só se venda um produto: energia elétrica.

Imagine a seguinte gravura: uma feira à céu aberto em que os comerciantes vendem seus produtos, disputando o preço entre si para conquistar seus consumidores. Agora imagine que nesta feira só se venda um produto: energia elétrica.

É neste caminho que vem trilhando o Ministério de Minas e Energia, que publicou, no dia 28/09/2022, a Portaria n. 50/2022, ampliando o acesso ao mercado de livre contratação aos consumidores de alta e média tensão, impactando cerca de 106 mil unidades para 01/01/2024.

Nesta esteira, também foi iniciada em 01/10/2022 a Consulta Pública 137/20222 , que visa discutir a abertura também para as unidades de baixa tensão, com exceção dos subgrupos residencial e rural, com
cronograma para abertura a partir de 01/01/2026.

Como se vê, o MME vem avançando a passos largos no desenvolvimento do Ambiente de Contratação livre (ACL), que hoje já representa cerca de 34,5% de toda a energia elétrica consumida. A ideia é proporcionar a redução do Ambiente de Contratação Regulada (ACR), ou seja, a compra intermediada pela distribuidora com as geradoras para estimular a negociação direta.

Esta não é uma novidade, afinal, grandes empreendimentos como indústrias e shoppings já possuíam autorização legal para participar deste mercado, desde que com carga de consumo acima de 500kW e restritas à aquisição de energia gerada por fontes renováveis. A abertura traz consigo importantes vanços para o setor, ao proporcionar que a unidade consumidora disponha de amplo leque de opções para contratação da sua energia, estimulando a competitividade e reduzindo o preço das tarifas. Ainda, permite-se que a contratação esteja mais adequada ao perfil do consumidor, observando as características da sua atividade na busca pelo produto que melhor se amolda a ela, como
preferência sobre fonte energética e o horário de consumo.

A migração para o sistema de comercialização direta consumidor/gerador parece ser um caminho sem volta. No entanto, há que se projetar o cenário com a devida cautela. Uma das principais barreiras à implementação do ACL encontra-se justamente no desenho implementado ao setor na Lei n. 10.848/2004, que, com a finalidade de garantir maior previsibilidade no mercado, estruturou
as relações entre a geradora e a distribuidora por meio de contratos legado, ou a termo. Desta forma, as distribuidoras realizam contratos à longo prazo com preços pré-acordados. Isto decorre diante da alta volatilidade do preço da energia no curto prazo posto que a matriz energética brasileira é reponderantemente dependente das chuvas.

Com a ampliação do acesso ao ACL, os custos dos consumidores cativos do ACR tendem a aumentar em um movimento cíclico que irá proporcionar cada vez mais migração para o livre consumo, mas também
mais ônus aos consumidores remanescentes, que dividirão os custos dos contratos de longo prazo repassados pelas distribuidoras. Este seria um primeiro caminho. Outro caminho, seria transferir o ônus ao consumidor do mercado livre. Mas, aí, a migração para o mercado livre não seria tão benéfica e
colocaria em risco a implementação deste modelo que sabidamente é mais vantajoso para todos.

Este custo também poderia ser repartido entre a totalidade dos consumidores, conforme consta no PL. 414/2021 e na Pesquisa Pública MME n. 43/2017, permitindo ainda que o excesso de contratação das
distribuidoras fosse comercializado no mercado livre, de modo que a diferença entre o valor de venda e o original, para mais ou menos, consistiria num encargo setorial. É possível ainda, dentro desta opção, que
haja um cronograma a incentivar a migração gradual do consumo cativo para o livre.

Desta forma, o setor deve enfrentar este desafio sem perder de vista que, no longo prazo, a migração para o mercado livre de energia pode ser a melhor escolha. Mudanças importantes para desburocratizar setores de infraestrutura, como o de energia, exigem dos seus integrantes paciência e muito diálogo dos seus integrantes com o poder público para que a feira não feche mais cedo do que o esperado.

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