Hidrogênio é o elemento mais abundante no universo e tem a capacidade de formar mais compostos químicos que qualquer outro elemento1. Considerado descoberto em 1766 por Henry Cavendish, existem diversos relatos anteriores2 a este período sobre um “gás inflamável”, o que, para Andrew Szydlo, faz sentido em razão de os ácidos minerais (sulfúrico e clorídrico) serem conhecidos desde a Idade Média e, metais como ferro, zinco e estanho, pelos Antigos3.
Basicamente, cada um desses metais reage com ácidos para produzir o hidrogênio como principal produto gasoso. E, assim, o primeiro relato da formação de uma “forma fétida de hidrogênio (feita a partir de limalhas de ferro e óleo de vitríolo) é atribuído ao médico e iatroquímico nascido em Genebra, Turquet de Mayerne (1573-1655)”4.
Não obstante seja considerado o elemento mais abundante no universo, o hidrogênio também é o mais leve e ubíquo, ou seja, onipresente e existente em toda parte na Terra (água, combustíveis fósseis e em todos os seres vivos). Consoante destaca Jeremy Rifkin5, “quando utilizado como forma de energia, torna-se o ‘combustível eterno’6. Nunca se esgota e, porque não contém um único átomo de carbono, não emite dióxido de carbono. Apesar disso, o hidrogênio “raramente existe livre na natureza”, de modo que “deve ser extraído de fontes naturais”.
Para uma melhor compreensão: “o hidrogênio não é uma fonte de energia por si só”. Ou seja, “não é uma energia primária, como o gás natural ou o petróleo bruto que existem livremente na natureza. Ele é um portador de energia, uma forma secundária de energia que precisa ser produzida, assim como a eletricidade”7. E, trazido o conceito de hidrogênio como elemento, é preciso compreender a atual nomenclatura utilizada para definir a categoria de hidrogênio como fonte de energia, a partir do grau de emissão de carbono gerada pela sua produção, o processo utilizado e a respectiva fonte primária de energia.
A despeito de não ser uma classificação universal, diversos regulamentos, políticas públicas e projetos de produção de hidrogênio como fonte de energia, que serão adiante abarcados, têm feito uso da seguinte terminologia: i) hidrogênio verde; ii) hidrogênio azul; iii) hidrogênio cinza; e iv) hidrogênio marrom. Ainda, destacam-se o v) o hidrogênio turquesa, e vi) o roxo ou rosa. De fato, é uma paleta um tanto quanto variada.
A primeira categoria – hidrogênio verde – surgiu para descrever o hidrogênio produzido por meio de processos de eletrólise da água (processo), onde a eletricidade, gerada a partir de fontes de energia renovável (solar e eólica, por exemplo), é usada para separar a água em hidrogênio e oxigênio. A designação pela cor verde refere-se à sustentabilidade e à baixa pegada de carbono associadas à produção de hidrogênio. Cumpre destacar que o termo hidrogênio amarelo tem sido utilizado para descrever a produção do hidrogênio por meio de fonte solar8.
Já o hidrogênio cinza pode ser classificado como uma espécie da qual são subtipos o hidrogênio azul e o hidrogênio marrom. A cor cinza remete ao fato de que a produção respectiva de hidrogênio é feita a partir de fontes não renováveis de hidrogênio, como o gás natural ou o carvão. Para a International Renewable Energy Agency (IRENA)9, o hidrogênio cinza é aquele “produzido a partir do metano usando a reforma a valor do metano (SMR) ou a geseificação do carvão”10. Durante esse processo, o carbono contido no combustível fóssil é liberado na forma de dióxido de carbono (CO2) – portanto, o hidrogênio cinza possui uma pegada de carbono significativa11.
A subespécie hidrogênio azul, apesar de indicar que a respectiva produção de hidrogênio ocorre por meio de fontes não renováveis, representa o fato de que as emissões de dióxido de carbono são capturadas e armazenadas permanentemente, geralmente em formações geológicas subterrâneas. Basicamente, “o gás natural é usado na reforma a vapor de metano, seguido da captura e armazenamento de carbono para produzir hidrogênio”12. Por sua vez, o hidrogênio marrom refere-se à utilização do carvão “em um processo de gaseificação para produzir hidrogênio”13, no qual não ocorre a captura.
Em termos econômicos e de mercado, o hidrogênio cinza “é principalmente usado na indústria petroquímica e na produção de amônia”. Segundo A. Ajanovic, M. Sayer e R. Haas, em artigo publicado em 2022, a maior quantidade de hidrogênio produzida é o hidrogênio cinza. Em geral, “cerca de 6% do gás natural extraído em todo o mundo e 2% do carvão são usados para a produção do hidrogênio cinza a cada ano” – o processamento do hidrogênio cinza por meio de reforma a vapor de gás natural “é um processo bem estabelecido, resultando em custos baixos de hidrogênio”14.
Especificamente sobre o hidrogênio azul, Marcus Newborough e Graham Cooley15 destacam que, para a categorização do hidrogênio como azul, basta a instalação de um dispositivo de captura e armazenamento de carbono (CCUS – carbon capture, utilisation and storage) para que seja assim considerado, não existindo uma definição sobre a quantidade específica de carbono que precisa ser capturada. “Atualmente, o hidrogênio azul é considerado uma tecnologia intermediária antes de uma transição completa para o hidrogênio verde”16.
Em relação ao hidrogênio turquesa, tem-se que o seu processamento é realizado a partir da pirolise do metano e o seu subproduto, que pode ser vendido no mercado, é o carbono sólido (carbono filamentoso ou nanotubos de carbono)17. Já o hidrogênio rosa ou roxo refere-se à produção de hidrogênio por meio do processo de eletrólise cuja eletricidade é “gerada a partir de reatores nucleares”18.
Cumpre destacar que a International Energy Agency (IEA)19, por exemplo, não faz uso de cores para se referir às diferentes formas de processamento ou de geração do hidrogênio verde. Basicamente, faz-se referência ao hidrogênio de baixa emissão de carbono, como aquele cuja eletricidade é gerada a partir de energias renováveis (solar ou eólicas) ou nuclear e, ainda, à produção de hidrogênio por meio de combustíveis fósseis em que se inclua a tecnologia de captura, utilização e armazenamento do carbono (CCUS).
Com relação à efetiva produção de hidrogênio em comparação à cada faixa de cor, segundo A. Ajanovic, M. Sayer e R. Haas atualmente o hidrogênio cinza é o principal método de produção, com capacidade em gigawatts, enquanto o hidrogênio verde ainda é implantado em menor escala. E a explicação para isso, um tanto quanto óbvia, ainda decorre dos custos de investimento para produção e do preço da eletricidade, que, aliás, para a geração de hidrogênio verde, ainda “representa cerca de 90% dos custos operacionais totais”20.
No entanto, a expectativa21 é que, até 2030, a produção de hidrogênio verde torne-se mais barata que a de hidrogênio azul e cinza. De outra banda, em relatório econômico e financeiro realizado pelo ING22 em 2021, apontou-se que o hidrogênio verde estava custando o dobro do hidrogênio cinza e azul: “os custos do hidrogênio são de aproximadamente €3,80 a €4,80 com preços de energia de cerca de €40/MWh, que é a média anual de longo prazo no mercado de energia do noroeste europeu (Alemanha e Holanda)”. Assim, “o hidrogênio verde custa cerca de duas vezes mais para produzir em comparação com o hidrogênio cinza e azul (aproximadamente €2/kg)”23.
Apesar de suas diversas “cores”, todos os holofotes apontam atualmente para o hidrogênio verde, seja pela sua capacidade de funcionar como uma força motriz para a transição energética ou pela atual demanda especialmente europeia – na expectativa de redução dos seus custos de produção. Espera-se que a variada paleta de cores de hidrogênio torne-se cada vez mais esverdeada e menos acinzentada. E, repita-se: muito embora a nomenclatura e classificação do hidrogênio em cores não seja algo obrigatório ou padronizado, nota-se que os próprios projetos de lei brasileiros tendem a adotar essa identificação (notadamente o PL 1808/2022 e o PL 2308/2023).
Ao refletir sobre a paleta de cores do hidrogênio e seu simbolismo na transição energética, considera-se o hidrogênio mais do que um mero elemento químico; ele emerge como um emblema da busca da sociedade por harmonia com o ambiente. Embora a nomenclatura colorida para suas variantes não seja padronizada, ela pinta uma imagem vívida do potencial e dos desafios do hidrogênio como vetor energético. O hidrogênio verde, representando a sustentabilidade e a inovação, é a tonalidade que captura as aspirações ambientais, mas ainda carrega o peso dos custos proibitivos e da infraestrutura emergente.