Há muito o Superior Tribunal de Justiça divulgou conflito envolvendo a Petrobras e a
Agência Nacional do Petróleo (ANP) em que se discutia a potencial cobrança de participação
especial em desfavor da referida sociedade. Basicamente, a cobrança pelo tributo teria como origem
ou fato gerador a decisão administrativa da ANP de unificar os campos de petróleo então
arrematados pela Petrobras. Ou seja, a unificação de diversos campos de petróleo teria gerado um
único grande campo, consequentemente autorizando a cobrança desse tributo especial. (https://
www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-11-22_08-17_Corteinternacional-de-arbitragem-vai-decidir-conflito-envolvendo-Petrobras-e-ANP-no-EspiritoSanto.aspx).
Para além de se aprofundar em um caso em específico, o propósito do presente e breve
artigo é trazer insights sobre a importância de se definir bem as regras do jogo – afinal de contas, a
cobrança ou não de participação especial passa, antes, pela própria definição de campo de petróleo e
pelos critérios e parâmetros que podem ser levados em consideração na sua delimitação. E,
conforme poderá o leitor perceber, o imbróglio envolvendo a Petrobras e a ANP apenas se formou
pela infeliz incerteza jurídica e interpretativa que paira sobre uma regra legal.
O artigo 6º, inciso XIV, da Lei n. 9.478/1997 (Lei do Petróleo) estipula que campo de
petróleo é definido como a “área produtora de petróleo […], a partir de um reservatório contínuo
ou de mais de um reservatório, a profundidade variáveis, abrangendo instalações e equipamentos
destinados à produção”.
Conforme definido na mesma lei, no artigo 6º, inciso X, a noção de reservatório reflete a
“configuração geológica dotada de propriedades específicas, armazenadora de petróleo ou gás,
associados ou não”. Além disso, trazendo o conceito de jazida, o inciso XI do citado dispositivo
legal traz o seguinte texto: “reservatório ou depósito já identificado e possível de ser posto em
produção”. Em relação aos termos “reservatório contínuo” e “reservatórios com profundidades
variáveis”, embora pareçam autoexplicativos, a Lei n. 9.478/1997 não os detalha.
Analisando os conceitos legais mencionados, é evidente que a definição de campo de
petróleo não se restringe à presença de um único reservatório correspondente ou jazida. Ou seja, um
campo de petróleo pode consistir em um único reservatório ou vários, sem que um conceito esteja
necessariamente vinculado ao outro.
Portanto, aplicando a mesma lógica de maneira inversa, é possível concluir que a existência
de múltiplos reservatórios pode resultar na configuração de um único campo de petróleo, assim
como a presença de mais de um campo é concebível. Independentemente do cenário, a interpretação
literal dos dispositivos não leva à conclusão de que a existência de dois ou mais reservatórios
necessariamente implicaria em múltiplos campos de petróleo.
Apenas sob a perspectiva legal, evidencia-se que o artigo 6º da Lei do Petróleo abarca
alguns elementos essenciais ou principais para conceituar campo de petróleo: (a) a presença de uma
área produtiva que pode conter (b) um ou mais reservatórios, mesmo em profundidades distintas, e
(c) englobando também instalações e equipamentos destinados à produção.
Agora, a despeito de ter o legislador trazido um conceito de campo de petróleo cujo texto
segue lógica semelhante de outras entidades , é preciso dizer que “uma coisa é uma coisa e outra 1
coisa é outra coisa”. Ou seja, muito embora tenha a Lei n. 9.478/1997 trazido em seu texto a
definição de campo de petróleo, não foi abarcado de maneira explícita os critérios ou parâmetros
dos quais poderiam se utilizar a ANP ou a Petrobras para realizar a sua delimitação. Justamente pela
ausência de previsão específica é que se busca, no próprio conceito de campo de petróleo, as
variáveis que importam para sua delimitação, cuja consequência ao fim e ao cabo é de trilhões de
reais em uma possível cobrança de tributos especiais.
Sob a perspectiva da Análise Econômica do Direito, a problemática referente à insuficiência
de parâmetros decisórios de um modo geral ou, em outros termos, da existência de incerteza
jurídica a respeito de determinado assunto possui a tendência de levar a duas consequências
igualmente ruins: (a) um aumento no nível de condutas e escolhas arriscadas e (b) a provocação de
um otimismo potencialmente exagerado a respeito do resultado sobre eventual conflito que envolva
tal incerteza . É dizer, em termos mais simples, que um ambiente incerto propicia a atuação do viés 2
otimista – .
No caso da incerteza sobre os possíveis parâmetros que podem ser utilizados para se
delimitar um campo de petróleo, ainda que se leve em conta os critérios e as nuances da própria
definição do termo, tanto a ANP quanto a Petrobras acabam encontrando lógica ou argumento
jurídico capaz de amparar suas posições. Em síntese: quando a lei peca em não definir a regra jogo,
sobra para o jogador encontrar as estratégias de cada jogada e, obviamente, cada uma delas buscará
beneficiar seu próprio time.
A Society of Petroleum Engineers conceitua campo de petróleo como sendo “uma área que consiste em que um único 1 reservatório ou vários reservatórios, todos agrupados ou relacionados ao mesmo recurso estrutural geológico individual e/ou condição estratigráfica.” Ainda, “pode haver dois ou mais reservatórios em um campo que são separados verticalmente por rochas impermeáveis interpostas, lateralmente por barreiras geológicas locais ou ambos”. Tradução livre. No texto original: “an area consisting of a single reservoir or multiple reservoirs all grouped on, or related to, the same individual geological structural feature and/or stratigraphic condition. There may be two or more reservoirs in a fild that are separated vertically by intervening impermeable rock, laterally by local geologic barriers, or both”. . Daniel Kahneman salienta que, “quando combinados, os fatores emocionais, cognitivos e sociais que apoiam o 2 otimismo exagerado são uma poção inebriante, que por vezes leva as pessoas a assumir riscos que teriam evitado se soubessem das chances”. KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar, p. 328-329. De maneira genérica e subjetiva, o viés otimista pode ser visualizado como “[…] a capacidade de contestar 3 pensamentos catastróficos recorrentes de forma eficaz […]”. SELIGMAN, Martin E. P.; VERKUIL, Paul R.; KANG, Terry H. Why lawyers are unhappy. Deakin Law Review, v. 10, n. 1, p. 49-66, 2005. O viés otimista, portanto, está intimamente ligado ao excesso de confiança e à tomada de decisões arriscadas (Nessa 4 linha, Daniel Kahneman e Dan Lovallo ressaltam que “optimism and the illusion of control increase risk taking in several ways” (Timid choices and bold forecasts: a cognitive perspective on risk taking. Managemant Science, v. 39, n. 1, p. 17-31, jan. 1993. Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2018, p. 28). Ora, pessoas otimistas tendem a fazer previsões sobre o seu futuro ou sobre o que ocorrerá em determinada questão de modo correspondente ao que elas gostariam de ver acontecer ou acreditam que seja socialmente recomendável, em detrimento do objetivamente provável. (TAYLOR, Shelley E; BROWN, Jonathon D. Illusion and well-being: a social psychological perspective on mental health. Psychological Bulletin, v. 103, n. 2, p. 193-210, 1988. Disponível em: . Acesso em: 21 maio 2018, p. 197.)